AULA 05/2022 – A questão da inserção dos negros no período republicano do pós-abolição - 04/03/2022

Leia o texto a seguir para aprofundar seus conhecimentos

Uma república sem igualdade política

Se o fim da escravidão acenderia uma centelha de esperança nos corpos e corações das pessoas negras escravizadas, que lutavam incansavelmente por sua liberdade e igualdade, imagine aliar isso à ascensão de um novo regime que prometia acabar com os privilégios estamentais do Império? Um regime que, ao menos em tese, tem entre seus principais fundamentos a ausência de privilégios institucionais e religiosos e a alternância no poder. Estamos falando da república, conceito que, embora evoque a afirmação do valor da liberdade política e do alto nível de igualdade dos cidadãos, ainda convive com afirmações da existência de um príncipe herdeiro no Brasil.

O “em tese” acima citado é para demonstrar que, na prática, o que se viu não foi bem assim. A não ser pela Família Real, a república manteve privilégios das elites. Seria sonhar demais: imaginar que um país que nasceu e se desenvolveu em trezentos anos sobre os ombros de pessoas negras escravizadas faria uma transição justa para uma república sem escravizados, e acabaria com seus privilégios. É importante lembrar que o fim da escravidão, a proclamação da República e a promulgação da Constituição de 1891 se desdobraram no século XIX, período em que as teorias racialistas alcançaram seu auge, sobretudo no Brasil, onde boa parte da elite local se apropriou delas.

https://theintercept.com/2018/12/16/rui-barbosa-quadrinho/

A questão passou a ser a necessidade de deixar a escravidão no passado, pois nascia a partir dali um novo país, presente no hino da Proclamação da República: “(…) nós nem cremos que escravos outrora, Tenham havido em tão nobre País… (…)”.

A inexistência de políticas de amparo material e simbólico aos ex-cativos reforça a tentativa de relegar a escravidão ao passado imperial. Essa deveria ser uma responsabilidade do passado escravista e não do então presente promissor republicano.

Lembre-se da Queima dos Arquivos da Escravidão, em 1890, determinado pelo então Ministro da Justiça Rui Barbosa, que sob a justificativa de evitar indenizações aos proprietários de escravos, trouxe grande prejuízo para a memória coletiva do povo negro.

A Constituição de 1891 veio para institucionalizar os valores republicanos. Houve, por um lado, a ampliação do conceito de cidadania civil, aquela que determinaria quem seria reconhecido como pessoa brasileira, mas manteve-se a restrição sobre a cidadania política, aquela que permitiria às pessoas intervir na vontade política do país. Por exemplo, em seu artigo 70, § 1º, estipula que os mendigos e os analfabetos não seriam considerados cidadãos, sendo necessário destacar uma desagradável “coincidência”: a maioria do contingente de mendigos e analfabetos era oriunda direta ou indiretamente da escravidão.

A abolição da escravidão, o crescimento das teorias racialistas, bem como a ausência de qualquer política de amparo material para essas pessoas, e o silêncio a esse respeito levam a crer mais em uma tecnologia de governo pautada em higienização popular e eliminação de uma espécie de inimigo. Esperava-se que, ao deixar estas pessoas à sua própria sorte, elas desapareciam de forma “natural”, permanecendo somente os “fortes”, como lembra o professor Hilton Costa.

Racismo e tolerância na República

Na transição do Império para a República, percebe-se que, para as pessoas negras recém libertas, a única mudança foi da casa grande para os subúrbios e para as primeiras favelas do país. Mesmo diante desta exposição à precariedade humana e a todo tipo de violência, a luta das pessoas negras para retomar suas condições humanas jamais cessou. É importante lembrar junto a Lilia Schwarcz que os proprietários do período imperial também se apropriaram da República.

Nos conturbados anos 1930, o Brasil, diante das falhas das primeiras décadas da República, precisava criar uma nova imagem, para marcar o novo momento. É neste contexto que o governo Getúlio Vargas se apropria da ideia de democracia racial, cunhado pelo sociólogo Gilberto Freyre, para demonstrar ao mundo que o processo de escravidão brasileiro foi “menos violento” que os outros, em mais um esforço de escamotear as disputas da população negra e subjugá-las às memórias subterrâneas do país.

O mais contraditório nesse período é o fato de que, ao mesmo tempo que se pregava para o mundo que as “raças conviviam em harmonia no Brasil”, internamente criava-se uma política da tolerância. Assim, a política institucional do Estado brasileiro se baseava em estimular a educação eugênica, conforme estabelecia o artigo 138, b, da Constituição de 1934. Somam-se a isso os debates da Constituinte de 34, nos quais se defendeu que “(…) jamais seremos uma grande nação se não cuidarmos de defender e melhorar a nossa raça.”

A transição para um país “moderno” estaria condicionada à eliminação de um novo inimigo, no caso, a presença das pessoas negras. Dessa forma, o progresso nacional somente aconteceria se fosse adotada uma política de embranquecimento da população. Desse momento em diante há o aumento do processo de imigração de europeus para o Brasil, fato de conhecimento geral, invisibilizado pela narrativa oficial de que o Brasil é um país receptivo, de pessoas solidárias e “pacíficas”.

Já na ditadura do Estado Novo (1937-1945), qualquer tipo de manifestação política contestatória era reprimida violentamente. A discriminação racial aumentava à medida em que a competitividade do mercado ampliava, pois as pessoas negras continuavam expostas à precariedade e marginalizadas nas favelas. Como instrumento de resistência e denúncia dessas práticas, na década de 1940, destacavam-se a União dos Homens de Cor (UHC) e o Teatro Experimental do Negro (TEN), sob a liderança do intelectual Abdias do Nascimento. Entre suas pautas estavam: a defesa dos direitos civis das pessoas negras brasileiras, bem como a criação de uma legislação antidiscriminatória.

http://publicadosbrasil.blogspot.com/2018/10/estado-novo-outra-ditadura.html

Disponível em: https://cjt.ufmg.br/2019/11/20/republica-e-escravidao-transicao-democratica-para-quem/ Acesso em: 16 de nov de 2020.

ATIVIDADES

  1. O texto diz que “A abolição da escravidão, o crescimento das teorias racialistas, bem como a ausência de qualquer política de amparo material para essas pessoas, e o silêncio a esse respeito levam a crer mais em uma tecnologia de governo pautada em higienização popular e eliminação de uma espécie de inimigo.” Explique qual era perspectiva dessa teoria em relação aos libertos.

2. Marque a alternativa correta. Na transição do Império para a República, percebe-se que, para as pessoas negras recém libertas, a única mudança foi da casa grande para

a) (   ) os subúrbios e para as primeiras favelas  do país

b) (   ) os grandes centros urbanos

c) (   ) as grandes propriedades rurais

d) (   ) as Senzalas

3. Nos conturbados anos 1930, o Brasil, diante das falhas das primeiras décadas da República, precisava criar uma nova imagem, para marcar o novo momento. É neste contexto que o governo Getúlio Vargas se apropria da ideia de democracia racial, cunhado pelo sociólogo Gilberto Freyre. Qual era a intensão do governo nesse momento com esse conceito de democracia racial?

4. A transição para um país “moderno” estaria condicionada à eliminação de um novo inimigo, no caso, a presença das pessoas negras. Dessa forma, o progresso nacional somente aconteceria se fosse adotada uma política de embranquecimento da população. Nesse contexto, das alternativas a seguir, qual era a medida para que isso acontecesse?

a) (   ) Aumento do processo de imigração de europeus para o Brasil.

b) (   ) Aumento do processo de imigração do Brasil para Europa.

c) (   ) Aumento do processo de expatriação de trabalhadores estrangeiros.

d) (   ) Diminuição de processo de imigração de europeus para o Brasil.