AULA 22/2022 – Composição do texto teatral, ortografia e pontuação. - 05/12/2022

TEXTO TEATRAL

Observe o texto a seguir:

O Judas em Sábado de Aleluia

Martins Pena

[…]        

Cena IV

FAUSTINO – Maricota…

MARICOTA – Fui bem desgraçada em dar meu coração a um ingrato!

FAUSTINO, enternecido – Maricota!

MARICOTA – Se eu pudesse arrancar do peito esta paixão…

FAUSTINO – Maricota, eis-me a teus pés! (Ajoelha-se, e enquanto fala, Maricota ri-se, sem que ele veja.) Necessito de toda a tua bondade para ser perdoado!

MARICOTA – Deixe-me.

FAUSTINO – Queres que morra a teus pés? (Batem palmas na escada.)

MARICOTA, assustada – Quem será? (Faustino conserva-se de joelhos.)

Imagem disponível em: https://www.topleituras.com/livros/judas-sabado-aleluia-comedias-martins-pena-be84-capa.jpg Acesso em 16 de nov. de 2020.

CAPITÃO, na escada, dentro – Dá licença?

MARICOTA, assustada – É o capitão Ambrósio! (Para Faustino:) Vá-se embora, vá-se embora! (Vai para dentro, correndo.)

FAUSTINO levanta-se e vai atrás dela – Então, o que é isso?… Deixou-me!… Foi-se!… E esta!… Que farei?… (Anda ao redor da sala como procurando aonde esconder-se.) Não sei onde esconder-me… (Vai espiar à porta, e daí corre para a janela.) Voltou, e está conversando à porta com um sujeito; mas decerto não deixa de entrar. Em boas estou metido, e daqui não… (Corre para o judas, despe-lhe a casaca e o colete, tira-lhe as botas e o chapéu e arranca-lhe os bigodes.) O que me pilhar tem talento, porque mais tenho eu. (Veste o colete e casaca sobre a sua própria roupa, calça as botas, põe o chapéu armado e arranja os bigodes. Feito isso, esconde o corpo do judas em uma das gavetas da cômoda, onde também esconde o próprio chapéu, e toma o lugar do judas.) Agora pode vir… (Batem.) Ei-lo! (Batem.) Aí vem!

Cena V

CAPITÃO e FAUSTINO, no lugar do judas.

CAPITÃO, entrando – Não há ninguém em casa? Ou estão todos surdos? Já bati palmas duas vezes, e nada de novo! (Tira a barretina e a põe sobre a mesa, e assenta-se na cadeira.) Esperarei. (Olha ao redor de si, dá com os olhos no judas; supõe à primeira vista ser um homem, e levanta-se rapidamente.) Quem é? (Reconhecendo que é um judas:) Ora, ora, ora! E não me enganei com o judas, pensando que era um homem? Oh, oh, está um figurão! E o mais é que está tão bem feito que parece vivo. (Assenta-se.) Aonde está esta gente? Preciso falar com o cabo José Pimenta e… ver a filha. Não seria mau que ele [não] estivesse em casa; desejo ter certas explicações com a Maricota. (Aqui aparece na porta da direita Maricota, que espreita, receosa. O capitão a vê e levanta-se.) Ah!


Cena VI

MARICOTA e os mesmos.

MARICOTA, entrando, sempre receosa e olhando para todos os lados – Sr. capitão!

CAPITÃO, chegando-se para ela – Desejei ver-te, e a fortuna ajudou-me. (Pegando-lhe na mão:) Mas que tens? Estás receosa! Teu pai?

MARICOTA, receosa – Saiu.

CAPITÃO – Que temes então?

MARICOTA adianta-se e como que procura um objeto com os olhos pelos cantos da sala – Eu? Nada. Estou procurando o gato…

CAPITÃO, largando-lhe a mão – O gato? E por causa do gato recebe-me com esta indiferença?

MARICOTA, à parte – Saiu. (Para o capitão:) Ainda em cima zanga-se comigo! Por sua causa é que eu estou nestes sustos.

CAPITÃO – Por minha causa?

MARICOTA – Sim.

CAPITÃO – E é também por minha causa que procura o gato?

MARICOTA – É, sim!

CAPITÃO – Essa agora é melhor! Explique-se…

MARICOTA, à parte – Em que me fui eu meter! O que lhe hei de dizer?

CAPITÃO – Então?

MARICOTA – Lembra-se…

CAPITÃO – De quê?

MARICOTA – Da… da… daquela carta que escreveu-me anteontem, em que me aconselhava que fugisse da casa de meu pai para a sua?

CAPITÃO – E o que tem?

MARICOTA – Guardei-a na gavetinha do meu espelho, e como a deixasse aberta, o gato, brincando, sacou-me a carta; porque ele tem esse costume…

CAPITÃO – Oh, mas isso não é graça! Procuremos o gato. A carta estava assinada e pode comprometer-me. É a última vez que tal me acontece! (Puxa a espada e principia a procurar o gato.)

MARICOTA, à parte, enquanto o capitão procura – Puxa a espada! Estou arrependida de ter dado a corda a este tolo. (O capitão procura o gato atrás de Faustino, que está imóvel; passa por diante e continua a procurá-lo. Logo que volta as costas a Faustino, este mia. O capitão volta para trás repentinamente. Maricota surpreende-se.)

CAPITÃO – Miou!

MARICOTA – Miou?!

CAPITÃO – Está por aqui mesmo. (Procura.)

MARICOTA, à parte – É singular! Em casa não temos gato!

CAPITÃO – Aqui não está. Onde, diabo, se meteu?

MARICOTA, à parte – Sem dúvida é algum da vizinhança. (Para o capitão:) Está bom, deixe; ele aparecerá.

CAPITÃO – Que o leve o demo! (Para Maricota:) Mas procure-o bem até que o ache, para arrancar-lhe a carta. Podem-na achar, e isso não me convém. (Esquece-se de embainhar a espada.) Sobre esta mesma carta desejava eu falar-te.

MARICOTA – Recebeu minha resposta?

CAPITÃO – Recebi, e a tenho aqui comigo. Mandaste-me dizer que estavas pronta a fugir para minha casa; mas que esperavas primeiro poder arranjar parte do dinheiro que teu pai está ajuntando, para te safares com ele. Isto não me convém. Não está nos meus princípios. Um moço pode roubar uma moça – é uma rapaziada; mas dinheiro é uma ação infame!

MARICOTA, à parte – Tolo!

CAPITÃO – Espero que não penses mais nisso, e que farás somente o que te eu peço. Sim?

MARICOTA, à parte – Pateta, que não percebe que era um pretexto para lhe não dizer que não, e tê-lo sempre preso.

CAPITÃO – Não respondes?

MARICOTA – Pois sim. (À parte:) Era preciso que eu fosse tola. Se eu fugir, ele não se casa.

CAPITÃO – Agora quero sempre dizer-te uma coisa. Eu supus que esta história de dinheiro era um pretexto para não fazeres o que te pedia.

MARICOTA – Ah, supôs? Tem penetração!

CAPITÃO – E se te valias desses pretextos é porque amavas a…

MARICOTA – A quem? Diga!

CAPITÃO – A Faustino.

MARICOTA – A Faustino? (Ri às gargalhadas.) Eu? Amar aquele toleirão? Com olhos de enchova morta, e pernas de arco de pipa? Está mangando comigo. Tenho melhor gosto. (Olha com ternura para o capitão.)

CAPITÃO, suspirando com prazer – Ah, que olhos matadores! (Durante este diálogo Faustino está inquieto no seu lugar.)

MARICOTA – O Faustino serve-me de divertimento, e se algumas vezes lhe dou atenção, é para melhor ocultar o amor que sinto por outro. (Olha com ternura para o capitão. Aqui aparece na porta do fundo José Pimenta. Vendo o capitão com a filha, para e escuta.)

CAPITÃO – Eu te creio, porque teus olhos confirmam tuas palavras. (Gesticula com entusiasmo, brandindo a espada.) Terás sempre em mim um arrimo, e um defensor! Enquanto eu for capitão da Guarda Nacional e o Governo tiver confiança em mim, hei de sustentar-te como uma princesa. (Pimenta desata a rir às gargalhadas. Os dois voltam-se surpreendidos. Pimenta caminha para a frente, rindo-se sempre. O capitão fica enfiado e com a espada levantada. Maricota, turbada, não sabe como tomar a hilaridade do pai.)

[…]

                                Martins Pena. Comédias. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.

Disponível em: http://www.portugues.seed.pr.gov.br/arquivos/File/leit_online/martins_pena4.pdf Acesso em 16 de nov. de 2022.

O texto que acabamos de ler é um trecho de uma peça teatral!

INFORMAÇÕES SOBRE O TEXTO TEATRAL

O texto teatral assemelha-se ao narrativo quanto às características, uma vez que se constitui de fatos, personagens e história (o enredo representado), que sempre ocorre em um determinado lugar, dispostos em uma sequência linear representada pela introdução (ou apresentação), complicação, clímax e desfecho.

A história em si é retratada pelos atores por meio do diálogo, no qual o objetivo maior pauta-se por promover uma efetiva interação com o público expectador, em que razão e emoção se fundem a todo momento, proporcionando prazer e entretenimento.

Pelo fato de o texto teatral ser representado e não contado, ele dispensa a presença do narrador, pois como anteriormente mencionado, os atores assumem um papel de destaque no trabalho realizado por meio de um discurso direto em consonância com outros recursos que tendem a valorizar ainda mais a modalidade em questão, como pausas, mímica, sonoplastia, gestos e outros elementos ligados à postura corporal.

A questão do tempo difere-se daquele constituído pelo narrativo, pois o tempo da ficção, ligado à duração do espetáculo, coincide com o tempo da representação. Outro ponto faz referência ao tamanho em que a peça se apresenta demarcada, ou seja, se muito extensa, costuma ser dividida em partes, consideradas atos, os quais podem ser subdivididos em cenas.

As rubricas, demarcadas por aqueles elementos que no texto escrito aparecem em destaque, em itálico, ou entre parênteses, por exemplo, atuam como indicadores que orientam o diretor e os personagens acerca das características relativas ao cenário, bem como sobre o modo de proceder desses mesmos personagens. Antes delas, como podemos constatar no exemplo de uma peça demonstrado pela linguagem teatral (acima citada), aparece o nome da personagem.

No intuito de aplicarmos todos estes pressupostos teóricos à prática, analisaremos o texto acima, fragmentos da peça O Judas em Sábado de Aleluia, de Martins Pena

Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/redacao/o-texto-teatral.htm Acesso em: 08 nov. 2021. (Adaptado)

Para saber mais sobre o assunto, assista ao vídeo: Texto teatral – Brasil Escola

ATIVIDADES

  1. Após a leitura do texto O Juiz de Paz da Roça, de Martins Pena, identifique elementos que demonstram como se constitui o texto teatral.

2. Qual diferença pode ser notada na estrutura de um texto dramático quando comparado a outros, em prosa, na tipologia narrativa?

3. Quantas personagens compõem as cenas teatrais lidas e quais são elas?

4. Identifique a que gênero textual pertence a peça teatral O Juiz de Paz da Roça – Martins Pena.

A) Gênero textual digital.

B) Gênero textual do tipo argumentativo.

C) Gênero textual do tipo injuntivo.

D) Gênero textual dramático.

5. Você começou a ler a peça pelo final da cena IV. Apesar de desconhecer o início da conversa entre Faustino e Maricota, é possível supor algumas coisas.

a) Que ligação parece haver entre ambos?

b) Que sentimento cada um expressa para o outro?

c) Maricota parece sincera na expressão de seus sentimentos? Em que se baseia sua resposta

6. Maricota fica assustada quando batem à porta.

a) Que atitude ela toma?

b) Essa atitude soa verossímil ao público? Explique sua resposta.

c) Que explicação pode ser dada para essa reação?

7. Por que Faustino é levado a esconder-se, fazendo-se passar pelo boneco de judas, e não a ir embora?

A) Porque o Capitão está na porta e ele não tem como sair sem ser visto.

B) Porque quer saber sobre a conversa entre Maricota e o Capitão.

C) Porque não aceita ser rejeitado por Maricota.

D) Porque deseja se revelar para o Capitão e brigar pelo amor de Maricota.

8. Ao retornar à sala, sem saber se Faustino foi ou não embora, Maricota está receosa.

a) Que relacionamento parece haver entre ela e o Capitão? Que elementos do texto comprovam sua resposta?

b) Por que Maricota diz ao Capitão que estava procurando o gato?

9. Da mesma forma que oculta suas intenções de Faustino, Maricota também as oculta do Capitão. Como o público toma conhecimento disso?

Leia o fragmento de Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna:

O Auto da Compadecida

[…]

João Grilo: Que isso Chicó? (Passa o dedo na garganta). Já estou ficando por aqui com suas histórias. É sempre uma coisa toda esquisita. Quando se pede uma explicação, vem sempre com “não sei, só sei que foi assim”.

Chicó: Mas se eu tive mesmo o cavalo, meu filho, o que é que eu vou fazer? Vou mentir, dizer que não tive?

João Grilo: Você vem com uma história dessas e depois se queixa quando o povo diz que você é sem confiança.

Chicó: Eu sem confiança? Antônio Martinho está aí para dar as provas do que eu digo.

João Grilo: Antônio Martinho? Faz três anos que ele morreu.

Chicó: Mas era vivo quando eu tinha o bicho.

João Grilo: Quando você teve o bicho? E foi você que pariu o cavalo, Chicó?

Chicó: Eu não. Mas do jeito que as coisas vão não me admiro mais de nada. No mês passado uma mulher pariu um, na serra do Araripe, para os lados do Ceará.

João Grilo: Isso é coisa da seca. Acaba nisso, essa fome: ninguém pode ter menino e haja cavalo no mundo. A comida é mais barata e é coisa que se pode vender. Mas seu cavalo, como foi?

Chicó: Foi uma velha que me vendeu barato, porque ia se mudar, mas recomendou todo o cuidado porque o cavalo era bento. E só podia ser mesmo, porque cavalo bom como aquele eu nunca tinha visto. Uma vez corremos atrás de uma garrota, das seis da manhã até as seis da tarde, sem parar nem por um momento, eu a cavalo, ele a pé. Fui derrubar a novilha já de noitinha, mas quando acabei o serviço e enchocalhei a rês, olhei ao redor, e não conhecia o lugar que estávamos. Tomei uma vereda que havia assim e saí tangendo o boi… João Grilo: O boi? Não era uma garrota?

Chicó: Uma garrota é um boi.

João Grilo: E você corria atrás dos dois de uma vez?

Chicó (irritado): Corria, é proibido?

João Grilo: Não, mas eu me admiro eles correrem tanto tempo juntos, sem se apartarem. Como foi isso?

Chicó: Não sei, só sei que foi assim. Saí tangendo os bois e de repente avistei uma cidade. Você sabe que eu comecei a correr da ribeira do Taperoá na Paraíba. Pois bem, na entrada da rua perguntei a um homem onde estava e ele me disse que era Propriá, de Sergipe.

João Grilo: Sergipe, Chicó?

Chicó: Sergipe, João […] eu tinha corrido até lá no meu cavalo. Só sendo bento mesmo!

João Grilo: Mas, Chicó, e o rio São Francisco?

Chicó: Só podia estar seco nesse tempo, porque não lembro quando passei […] E nesse tempo todo o cavalo ali comigo, sem reclamar nada.

João Grilo: Eu me admirava era se reclamasse.

[…]

SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. São Paulo: Agir, 2005.

Imagem disponível em: https://i.pinimg.com/736x/66/db/3f/66db3f6a322b0034974799cc4b268765.jpg Acesso em 16 de nov. de 2022.

Disponível em https://aedmoodle.ufpa.br/pluginfile.php/366701/mod_resource/content/1/Auto%20da%20Compadecida%20-%20Ariano%20Suassuna.pdf (Pág: 20 a 22) Acesso em 16 de nov. de 2022.

10. Qual é a finalidade do texto dramático (teatral)?

11. No texto teatral, as falas dos personagens desempenham papel importante na construção da história. Como é reproduzida a fala dos personagens: pelo discurso direto ou pelo discurso indireto?

12. O texto teatral é escrito para ser representado. Nessa cena, a variedade linguística predominante

A) é técnica, com termos técnicos.

B) apresenta alguns termos regionais e populares.

C) apresenta informações sobre um texto polêmico.

D) histórica, com termos que deixaram de ser usados.

PRODUÇÃO TEXTUAL

Leia a peça teatral na íntegra e escolha uma das cenas para representar. Forme grupos com seus colegas para realizar essa atividade. Se preferir, encene a cena IX, analisada. Planeje seu texto, considere as características e o objetivo do gênero dramático. Esse é um texto cômico, portanto deve ficar engraçado, provocar risos, divertir o público. Considere também o cenário, o figurino, quem representará cada personagem, as falas de cada um, a postura, o tom de voz e bom